terça-feira, 14 de julho de 2009

Caetano Veloso- Tropicália ou Panis Et Circencis



Decidi fazer este post sobre a Tropicália, pois creio que Caetano Veloso e Gilberto Gil foram muito corajosos em realizar algo que nunca se imaginaria musicalmente na época, apesar de já ter ocorrido na Literatura, nas Artes Visuais e no Teatro.
Para compreender melhor as propostas deste movimento, relatarei um pouco da vida do Caetano. Ele nasceu em Santo Amaro- BA no recôncavo baiano, a cidade era pequena e todos se conheciam. Caetano era de família de classe média baixa, por assim dizer, não faltava comida para os seus muitos irmãos. Na cidadezinha, ele assistiu a muitos filmes franceses, italianos, e os Hollywoodianos também; porém nem o cinema comercial assim como o rock comercial estadunidense (o rock derivado do Blues) não lhe atraía. Tanto é que ele não via a “graça” que o mundo via nos grandes ícones que se formou em torno de Marilyn Monroe e Elvis Presley. Ele preferia Brigitte Bardô, Fellini, Miles Davis, Thelonius Monk e outros grandes nomes do cinema e do Jazz mundial.
Ele adorava a cidadezinha pequena, porém sabia que era necessário ir para Salvador para ter glória e notoriedade. Mas enquanto ele estava em Santo Amaro, ia para um boteco escutar a música de João Gilberto, fundador da bossa nova, e percebeu que João Gilberto era muito influenciado por Dorival Caymmi, grande compositor e letrista baiano falecido recentemente. Caetano passou a idolatrar tanto Caymmi quanto João Gilberto.
Então, a sua irmã Bethânia foi para Salvador estudar no ginasial, era uma tradição familiar de mandar as filhas para o ginásio em Salvador, e Caetano ficou incumbido de cuidar de Maria. Em Salvador, Caetano saía muito para a noite cultural da cidade e Bethânia ficava reclusa em casa por não querer explorar Salvador, pois queria voltar para sua cidade natal. Um dia, Veloso
Conseguiu tirar Bethânia de casa para ir a uma peça, que ela adorou e passou a sair mais vezes com Caetano durante as noites.
Caetano em conjunto com Gil, Tom Zé, Maria Bethânia, Gal Costa (que ainda não possuía este nome) montaram um grupo para tocar músicas de protesto, mas no estilo de Bossa e entre outras coisas. Um dia Bethânia fora convidada para se apresentar no Rio de Janeiro e Caetano fora a tira-colo para tomar conta de sua irmã mais nova. Já no Rio, entrou em contato com os filmes revolucionários de Glauber Rocha, o cinema novo, com os filmes “Deus e o Diabo na terra do Sol” e o sucesso acachapante “Terra em Transe” que mostrava uma realidade brasileira muito aquém que alguém conseguia pensar e retratar. O filme “Deus e o Diabo na terra do Sol” retrata a vida de um sertanejo e possui inferências óbvias a Antônio Conselheiro (para aqueles que não se lembram da figura deste homem: ele foi o fundador da “favela” de Canudos e se tornou líder daqueles que eram sobrepujados pelo governo e através da evangelização católica fez todos se unirem para tentar sobreviver às condições adversas. Foi chamado pelo governo de reacionário por desejar a volta do Império, coisa que Antônio Conselheiro nunca disse ser a favor.).
Ainda no Rio, Caetano entrou em contato com Augusto Boal, diretor de teatro que faleceu neste ano, que revolucionou o teatro por acreditar que qualquer um podia subir no palco e contribuir artisticamente. Boal mostrou Bethânia para o Rio ao colocá-la em cena para cantar um samba muito famoso no Rio à capela. Com o sucesso, Bethânia foi parar em São Paulo e Caetano continuou em seu encalço e digamos que se aproveitava do sucesso da irmã para se promover aos poucos. Bethânia fora convidada para um programa de TV chamado “Esta Noite se Improvisa” da TV Record que era baseado em um jogo, donde cantores tinham que cantar uma música com uma palavra dada pela produção; Caetano ajudou a irmã a ensaiar em um boteco próximo à emissora e o produtor do programa ficou estupefato com a noção e memória de Caetano para músicas e o convidou para participar do mesmo, donde ganhou diversos carros, dos quais vendia para gastar com farras noturnas com Chico Buarque de Hollanda.
Bethânia comentava com Caetano que ele deveria escutar mais as músicas de Roberto Carlos, o rei do iê-iê-iê nacional, e assim cresceu o interesse dele no Rock, principalmente o britânico.
A partir dessa nova guinada musical, que Caetano e Gil começaram a matutar acerca do novo movimento que revolucionaria a música. A Tropicália é uma junção de ritmos sejam externos ou internos para exaltar e buscar a identidade nacional, o que seria uma releitura do manifesto antropofágico de Oswald de Andrade no modernismo de 22 que Caetano passou a conhecer melhor após a montagem da peça “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade em 1967. A peça fora escrita em 1937 por Oswald para ser o marco do Modernismo teatral, porém ela não foi exibida, então depois de ser encenada muitos passaram a denominar a peça como Tropicalista; convenhamos que a peça é Modernista- vide a data de sua elaboração- e se enquadra no contexto tropicalista. O enredo relata a história de Abelardo I- um misto de bancário e agiota que tinha um assistente, Abelardo II, que chicoteava os devedores encarcerados em uma jaula- Abelardo I iria se casar com uma moça, que tinha uma família (com diversas características brasileiras: um filho veado que deseja pescar nos penhascos; uma mãe que era galanteada por Abelardo I; um irmão integralista (nazi-fascista); uma avó galanteada por Abelardo) para manter sua situação financeira para ambos os lados. A peça mostra a vinda de um estadunidense- na figura de Tio Sam- para o Brasil para cobrar dívidas. No fim, Abelardo I tem seu escritório invadido e o resto vocês, leitores, devem buscar tomar conhecimento.
Antes de lançar discos tropicalistas, Caetano lançou um álbum com Gal Costa (Gal possui este nome artístico, pois se chama Maria da Graça e quem tem este nome na Bahia ganha o apelido “Gau”, porém no âmbito musical trocaram a grafia, pois a pronúncia é a mesma e escolheram o sobrenome “Costa”, pois era o mais sonoro) em 1967, intitulado “Domingo” com arranjos de Dori Caymmi, filho de Dorival.
Na época anterior da estréia da Tropicália nos festivais de músicas, existiam dois programas de televisão que demonstravam bem a dicotomia existente entre os dois estilos que reinavam no Brasil: “O Fino da Bossa”, programa apresentado por Elis Regina, que mostrava a Bossa Nova e vinha perdendo popularidade para o programa “Jovem Guarda” da TV Record, que retratava o Rock Iê-iê-iê de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Havia, então, uma dicotomia entre o cool e intelectual com o popular e “metalizado”.
Então, Caetano compôs a música “Alegria, Alegria” para o Festival da época. “Alegria, alegria” não era tropicália ainda, mas chegava próxima do que se queria. Caetano chamou uma banda de “rcok britânico cover” os Beat Boys, grupo este argentino, mas o próprio pensou em chamar a banda de Robert Carlos, entretanto pensou que a algazarra seria maior no Teatro. O público vaiou com toda a intensidade por acreditar que aquilo era uma sacanagem por parte de Caetano ao misturar “Samba com Bossa e com Rock comercial”, Gil conseguiu ser mais feliz com a música “Domingo no Parque” no mesmo festival, onde ele convidou a banda Os Mutantes- um grupo inteiramente paulistano e bem jovem- para tocar junto; além de Rogério Duprat, um grande regente de música erudita da época, e o público gostou bastante do resultado.
O disco inaugural desse movimento tinha a música chamada “Tropicália”- que ganhou este nome, pois um conhecido de Caetano achou a canção parecida com a exposição de Hélio Oiticica de mesmo nome e por falta de um nome melhor; a canção ganhou esta alcunha por inércia. A música inicia com uma espécie de canto de pássaros com sons percussivos e lembrava a carta de Pero Vaz de Caminha descrevendo a paisagem nacional; os versos “Eu organizo o movimento/ Eu oriento o Carnaval/ Eu inauguro o monumento no planalto central do país” É uma analogia à Brasília- monumento- e o Carnaval retrata o novo movimento além do jeito brasileiro de ser. Há um refrão na música, donde sua harmonia é a mesma, porém a letra varia dando vivas as coisas (como Bossa- retratando a bossa e o programa Fino da Bossa; como Maria- era uma analogia a um filme com Brigitte Bardot; como Iracema- Anagrama óbvio de América e livro de José de Alencar; como a banda de Chico Buarque; como Carmem Miranda; o da-da após Carmem Miranda e Banda representa a vanguarda dadaísta e ao nome da companheira do cangaceiro Corisco de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”). Na canção, existem outros elementos característicos nacionais, como a Mulata e Mata e há uma citação a Roberto Carlos no verso “Que tudo mais vá para o Inferno”, frase esta dita pelo Rei.
Além dos poetas de 22, o Tropicalismo influenciou e foi influenciado pela poesia concreta. Os irmãos Campos, principalmente o Haroldo, elogiaram o trabalho de Caetano mesmo antes de o Tropicalismo existir. A poesia Concreta pode ser evidenciada na música “Batmacumba” do álbum “Tropicália- Panis Et Circenses” que há a associação de Batman- elemento cultural estrangeiro- com a macumba- elemento de raízes africanas que está intrínseco na identidade nacional.
O álbum que pretendo postar é o “Tropicália ou Panis Et Circencis” que conta com a presença de Gilberto Gil, Os Mutantes, Gal Costa Tom Zé. Torquato Neto e Nara Leão. O disco foi o segundo da discografia tropicalista de Caetano Veloso, o primeiro fora “Caetano Veloso- 1967”. A capa mostra todos os músicos que participaram da obra, seja em presença física ou em fotografia.
Depois de um tempo, a trupe foi ganhando notoriedade e um dono de uma boate em São Paulo fechou uma temporada de apresentações dos Tropicalistas em seu estabelecimento e em uma dessas apresentações havia uma bandeira feita por Helio Oiticica escrita: “Seja marginal, seja herói” (esta frase é impactante e tem dois sentidos; um é aquele que muitos pensam: marginal=bandido, logo para ser herói basta ser bandido; o outro significado é que para ser herói tem-se que estar disvirtualizado dos conceitos da sociedade, ou seja, estar à margem da sociedade) os militares não interpretaram da segunda forma e fechou o estabelecimento e cancelou os shows.
Muitas pessoas pensam que as letras de Caetano eram compostas mediante ao uso de drogas, porém Caetano experimentou Lança-perfume quando era adolescente e no Carnaval de sua cidade natal e o efeito fora o inverso; ele ficou depressivo e achou que todos queriam matá-lo. Já adulto, os amigos forçaram-no a experimentar a maconha, ele relutou bastante, pois temia que ia dar o mesmo resultado que lhe ocorrera ao usar o lança perfume; dito e feito, o efeito foi o mesmo após ter fumado um beck. Quando já estava morando em São Paulo, um amigo de Gil tinha trazido de uma tribo indígena um chá alucinógeno que era utilizado para rituais da tribo; novamente, Caetano relutou em não usar esta droga, mas acabou experimentando (não preciso dizer que o efeito fora o mesmo). Desde então, Caetano não usa drogas e os seus amigos mais íntimos deram-lhe um apelido carinhoso: “Caretano”.
Um dia, Caetano estava em casa e bateram a sua porta alguns policiais a paisana querendo levá-lo, então ele e Gil foram presos pela ditadura; o primeiro lugar em que Caetano ficou preso foi em um batalhão do Rio de Janeiro e ele ficou na solitária, sem receber notícias do mundo externo e sem saber o motivo da sua prisão. Ele acreditava que era por causa da Passeata dos Cem Mil (passeata contra os militares que reuniu muitos artistas intelectualizados e cem mil pessoas). Na prisão, ele não sofreu abusos físicos, mas houve um fato que os militares fizeram-no andar por um corredor e Caetano acreditava tanto que ia morrer que estava preparado pelo pior, mas ao entrar na sala, apenas cortaram o seu cabelo e ele saiu tão alegre daquele lugar que os militares ficaram insatisfeitos devido ao fato de crer que o cabelo de Caetano era o símbolo máximo dele como figura intelectualizada.
Ele foi transferido para um batalhão de pára-quedistas, onde ficou enclausurado com muitas pessoas católicas de bastante fé que estavam na mesma situação de Caetano. Demorou muitos meses para que ele fosse interrogado pela primeira vez, o interrogatório foi longo e extenso e perguntaram tudo sobre a vida e a família dele. Após muitos dias de interrogatório, o capitão do batalhão percebeu que Caetano não mostrava sinais de Comunista e buscou liberá-lo, então ele foi para Salvador, onde conseguiu a permissão de ficar em liberdade condicional e ele tinha que se apresentar todo dia para os militares de Salvador para comprovar que não havia fugido de lá; o mesmo ocorreu com Gil. Após uma extensa briga entre os militares e amigos dos dois, eles conseguiram a autorização para o auto-exílio.
Antes de embarcar para a Europa, eles fizeram um show em Salvador para ganhar fundos para se sustentarem na Europa.
Na Europa, eles conheceram Portugal, França e Inglaterra e conheceram a cultura de lá. Um produtor britânico que conhecia um pouco da música de Caetano quis que ele fizesse um disco em Inglês para que ele continuasse a sua carreira na Europa. Caetano compôs as músicas e fez os arranjos (a pesar de não desejar fazê-los, pois ele acreditava que havia brasileiros melhores na Europa para compor a melodia, mas os europeus eram meio surdos para perceberem a diferença entre João Gilberto e outro violeiro qualquer). Caetano fez relativo sucesso no estrangeiro e voltava ao Brasil para fazer shows e visitar a família (ocasião esta em que era o aniversário de casamento dos pais dele). Depois, ele conseguiu a autorização para voltar definitivamente ao Brasil; eis a história deste grande homem que lutou pelo que acreditava. Peço desculpas aos leitores pelo tamanho do texto, mas acho que este post tinha que ser até maior para poder retratar a música e a vida destes baianos que conquistaram o mundo.
A fonte que eu pesquisei foi um livro escrito pelo próprio Caetano, chamado "Verdade Tropical" e um sítio muito bom que é .
Como a música Tropicália não está presente neste álbum, vejam o vídeo recente dela no youtube e há o registro histórico de "Domingo no Parque" com Os Mutantes e Gilberto Gil no youtube, porém a qualidade sonora não é grandes coisas.





Divirtam-se e não esperem gostar do som de primeira. Bom download...

Download do álbum